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Quinta à noite

"Mereces todas as coisas boas que a vida tem guardado apra ti!" - Para lembrar

Quinta à noite

"Mereces todas as coisas boas que a vida tem guardado apra ti!" - Para lembrar

O meu conto de natal- quase um mini romance!

Desafio:contos de natal

Lembro me daquele conto de natal, em que no dia 24 apareciam os fantasmas dos Natais passados e dos Natais futuros. 

No meu natal também fui visitada pelos meus fantasmas...

Tudo começou algures no mês de Agosto, no final das férias dos meus tios que estão emigrados, quando se decidiu que este ano iríamos juntar-nos todos na casa da avó e dar-lhe um natal especial. 

Há muitos anos que a avó não consegue ter um natal com os 6 filhos juntos.

Ela costuma dizer que é muito difícil juntar os filhos depois de eles casarem. 

O primeiro natal desde que enviuvou foi passado sozinha. O covid amedrontou-nos a todos. E ficámos cada um em sua casa.

Se para mim não foi fácil imagino para ela... Mesmo assim, nesse ano, no dia 25, e depois de 3 testes covid negativos, resolvi aparecer na sua casa. Fiquei à porta, mas foi tão bom para as duas.

A solidão enfraqueceu a minha avó. E este verão decidimos que o serviço de auxílio que contratamos para ela e a visitava 3 vezes na semana para tratar da limpeza da casa e a ajudar na higiene pessoal, não era o ideal para as suas necessidades e por isso acabamos por a colocar num lar.

Ela diz que está bem, mas tem saudades de casa. É temporário, para o ano a minha mãe (a filha mais velha dela) vai reformar-se e já faz planos de se dedicar à avó a tempo inteiro. 

Este ano demos-lhe o melhor natal da sua vida . Juntámos os 6 filhos e filhas, os 6 genros e noras, os 12 netos e netas e respetivos cônjuges e os 4 bisnetos da minha avó.

Eu tenho a sorte de trabalhar numa empresa que oferecem o dia 24 e 26 de Dezembro (é a prenda de natal!), por isso fiquei encarregue de ir mais cedo para acender o lume,  limpar e arejar a casa de forma a que quando chegassem os restantes a casa estar confortável. 

Meus pais e um tio vivem em Lisboa e os outros estão em França, Suíça e Espanha. Nenhum tinha a minha disponibilidade. 

Vivo no Porto, a 100km da casa da minha avó. Sou a que estou mais perto.

Decidi que não esperava pelo dia 24. De manhã coloquei a mochila com a roupa no carro e assim no final do expediente saí direta para a casa da avó. 

Pelo caminho parei para comprar lenha. Enchi a bagageira do carro. Depois lembrei me que não há decorações de natal na casa dela, voltei a parar, comprei um pinheiro, luzes, fitas, bolas e velas e também qualquer coisa para comer visto que os restantes só chegavam depois do almoço. 

Quando olhei para a mochila encolhida no meio das restantes coisas fiquei feliz por não ter mais ninguém dentro do carro. 

Cheguei a casa cansada. Acendi a lareira e o fogão da cozinha que também é a lenha e o aquecedor a óleo. Fiz uma cama, aqueci leite e fui sentar me na sala, junto à lareira. 

Só nesse momento percebi como a pequena casa pode ser enorme para uma pessoa sozinha. 

Bebi o leite e fui dormir. Foi ai que fui visitada pelos meus fantasmas: as lembranças de infância daquela casa cheia e uma tristeza (sentimento novo) pela solidão que sentia naquela casa vazia. Imaginei o natal qua minha avó passou sozinha e pensei que um dia os meus natais também vão ser assim.

Acordei cedo, depois de uma noite cheia de sonhos e frio. Voltei a acender o lume, dei um jeitinho na limpeza da casa e quando olhei para as decorações, lembrei me da alegria da minha avó quando nos via fazer o Pinheiro e por isso peguei no carro e fui busca-la.

Ela sabia que ia passar o natal em casa. Só não sabia é que era com a casa cheia. 

Quando cheguei estava feliz à minha espera. Só não correu para mim porque as pernas não deixaram. 

A viagem de regresso não era longa. Não deu para conversar, visto que ela não me deu oportunidade de abrir a boca!

Contou-me da funcionária que descubriu a gravidez quando achava que era a menopausa, e também da funcionária cujo filho de 12 anos veio passar o natal, "em familia e rodeado de amor" visto que a quimio e os restantes tratamentos já não o podem curar. 

Senti um nó quando ouvi isso ( são noticias que não consigo digerir) e mormurei um, "imagino a dor dos pais!"

Ao que a minha avó respondeu:

"Imaginas porque não tens filhos! Se tivesses não conseguias nem imaginar!"

Tenho 36 anos e não tenho filhos e isso faz alguma confusão á minha avó. Ela diz que sou uma mulher moderna, mas na verdade sou uma mulher "á antiga" que cresceu com exemplos de casais unidos, onde os obstáculos serviam para solidificar a relação e não eram um motivo para a terminar. 

Trabalho muito, e gosto. Mas faço-o porque posso, não tenho ninguém á minha espera e por isso não me importo de fazer a hora extra, ou de ser eu a fazer a viagem de trabalho. Eu posso!

As minhas relações acabaram porque não se solidificaram com os obstáculos. Nunca engravidei porque não tive ainda aquela coisa do "relógio biológico". E sinceramente, com um planeta em emergência climática, com tantos tiranos a assumir a chefia de paises e com tantas ideias extremistas a ganhar tanto espaço na sociedade, não tenho vontade nenhuma de por aqui uma criança.

Defendi-me, dos murmuros da minha avó, com esse argumento. Ela olhou-me e no seu tom mais autoritário que conheço, disse-me:

- "Desculpas! E tu lá precisavas de por uma criança no mundo! SE quisesses mesmo ias buscar uma daquelas que não tem ninguém! Ou será que não merecem ter atenção, carinho e cuidado como os outros? Mas tu nem um cão ou um gato adotas! Preferes dedicar todo o teu tempo ao teu trabalho! "

Sorri. Lembrei-me do sentimento de solidão na noite anterior e naquele momento a ideia da minha avó fez todo o sentido.

Neste momento posso adotar um cão ou um gato? Não, não posso, mas posso ir mudando a minha vida para o fazer: comprar um carro maior, mudar dos 30metros quadrados, para uns 30 metros quadrados com varanda, começar a visitar canis, pensar em ter tempo para fazer voluntariado em instituições com crianças para perceber se realmente eu tenho aptidão pra cuidar de outro ser humano... E se é para mudar de vida: Visitar a minha avó e os meus pais mais vezes, tirar uns dias para estar com os meus sobrinhos!

Chegamos a casa, almoçamos e começaram a chegar as pessoas. Há medida que chegavam iamos distribuindo tarefas: uns decoravam a casa, outros cozinhavam, outros arrumavam bagagens e inventavam forma de nos instalarmos todos e a avó cuidava dos mais pequenos da família. 

O olhar dela estava tão feliz! Ela estava tão bonita!

Foi a noite de natal mais louca da vida da minha avó!

Muitos de nós foram embora no dia 25, festejar o natal com a outra parte da família. Eu fiquei até o dia 26, a avó só voltaria para olar no dia 1 de janeiro. Aquela semana iria passar com os filhos que estavam de férias.

Na despedida, não se cansava de me agradecer. Mas a verdade é que eu tenho ainda mais para agradecer, por todo o carinho, acolhimento, exemplo e por me mostrar que se eu mudar a minha vida é possivel que nunca chegue o tal Natal onde eu estou sozinha!

 

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